Desejo
No miolo esquecido da Zona Portuária de Santos, onde o asfalto termina e o cheiro de peixe começa, as coisas ainda acontecem como nos tempos antigos — com mais improviso que lógica. Ali, entre guindastes e promessas de revitalização, um garoto de chinelo arrastado e camiseta do Santos desbotada andava sem pressa, chutando tampinhas pelo caminho.
Era fim de tarde. O céu estava dividido entre o laranja de um sol cansado e o roxo preguiçoso da noite chegando. A brisa vinda do mar trazia sal, história e um tantinho de sonho.
Foi quando ela apareceu.
Não veio voando nem nada. Surgiu saindo do mar, como sereia de calendário antigo. Mas não era sereia — era fada madrinha. Tinha varinha de pirulito na mão, glitter nos olhos e, num detalhe que quase estragava a fantasia, vestia o uniforme do São Paulo. Mesmo assim, o menino não titubeou.
— Fada madrinha, quero um dragão! — pediu, com a ousadia típica de quem já esgotou todos os pedidos possíveis e segue querendo o impossível.
A fada, com a experiência de quem já atendeu desejos como “Wi-Fi grátis no mundo inteiro” e “cerveja gelada infinita no boteco do Zé”, suspirou fundo.
— Ah, faz um pedido mais fácil...
O menino coçou a cabeça, olhou pro céu, fez cara de cálculo complexo, e então lançou:
— Então quero um Santos vencedor, que escape do rebaixamento pra Série B.
Silêncio.
A brisa parou. As gaivotas calaram. Até o mar recuou um pouco.
A fada arregalou os olhos. Engoliu seco.
— Que cor você quer o dragão?