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Na esquina da padaria, havia sempre dois tipos de jogadores.
O primeiro chegava munido de óculos grossos, planilhas imaginárias e um ar de quem estava prestes a revelar os segredos do universo. Passava horas analisando tabelas, estatísticas e padrões invisíveis a olho nu. Falava da sorte como se fosse um erro matemático prestes a ser corrigido. Curiosamente, nunca comprava o bilhete.
— Ainda não é o momento ideal — dizia, como se o acaso tivesse agenda.
O segundo aparecia sorrindo, sem método algum que merecesse respeito acadêmico. Pegava o bilhete, rabiscava números aleatórios — alguns claramente escolhidos por puro capricho — e seguia para a lotérica ao lado fazer sua fezinha. Não falava de probabilidades, nem de teorias. Jogava por um motivo simples e inegavelmente inconveniente para os especialistas: queria jogar.
Foi ali que entendi: a vida funciona exatamente assim.
Os muito inteligentes, com frequência, vivem trancados dentro da própria cabeça. Simulam cenários, antecipam catástrofes, refinam hipóteses até que nenhuma delas sobreviva ao excesso de lógica. O cérebro, zeloso, filtra tudo. Nada passa. É uma loteria perfeita, sem erros — e sem apostas.
Os outros, menos comprometidos com a genialidade, vivem no mundo real. Erram sem pedir licença, acertam sem saber como, tropeçam com dignidade duvidosa e levantam sem tese para defender. Não preveem resultados; produzem consequências. Entram na arena sem garantias, sem gráficos e, pior ainda, sem desculpas sofisticadas.
No fim, não é sobre ganhar ou perder — até porque quem nunca joga também nunca perde, o que soa reconfortante, mas não impressiona ninguém. É sobre participar.
Comprar o bilhete, dar o passo, errar em público: tudo isso vale infinitamente mais do que mil planos perfeitos cuidadosamente guardados para um futuro que nunca chega.
A vida não premia apenas quem calcula. Aliás, quase nunca.
Ela costuma favorecer quem aceita o risco, quem se expõe ao acaso e quem entende, mesmo contra toda lógica, que não há número certo para começar — apenas a decisão incômoda de jogar.
E talvez o maior golpe de sorte seja esse: parar de esperar a combinação perfeita e, com uma ponta de ironia e outra de coragem, finalmente entrar no jogo e quem sabe rir atoa o resto da vida.

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